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Como a Sancionada Rússia Triunfa diante da Subsidiada Ucrânia?

A guerra da Rússia contra a Ucrânia representa o maior experimento econômico recente de confronto direto entre um Estado sustentado por transferências financeiras externas do Ocidente e uma economia convertida, na prática, em regime permanente de guerra.
De um lado, uma Ucrânia cuja máquina estatal — salários públicos, previdência e parte substancial do orçamento — é mantida por transferências financeiras intergovernamentais e pelo fornecimento contínuo de armamentos. De outro, uma Rússia submetida ao maior pacote de sanções já imposto a uma economia industrial relevante e, ainda assim, operando militarmente, industrialmente e financeiramente em plena escala há anos.
O conflito expõe um limite estrutural das sanções econômicas: elas não paralisam Estados que dominam simultaneamente energia, moeda, aparato produtivo, sistema financeiro fechado e coerção institucional. Este artigo desmonta, em camadas, como a Rússia reorganizou sua economia para sustentar uma guerra prolongada contra um adversário financiado direta e continuamente por governos ocidentais.
A economia russa passou por uma mutação estrutural desde 2022. O país deixou de operar com a lógica clássica de mercado aberto e passou a funcionar como uma economia de mobilização permanente. O Estado reorganizou o sistema financeiro, subordinou o setor privado ao esforço de guerra, fechou seus canais de financiamento ao exterior e reconstruiu seus fluxos comerciais em direção à Ásia, ao Oriente Médio e a países que não aderiram ao regime de sanções.
O primeiro pilar desse modelo é a energia. A Rússia segue exportando petróleo, gás, derivados e carvão para países como China, Índia e Turquia, ainda que com descontos. Esses fluxos continuam gerando entrada relevante de moeda estrangeira. A diferença central não está na exportação em si, mas no destino final desse dinheiro. O governo passou a exigir que uma parcela significativa das receitas externas das empresas seja obrigatoriamente convertida em rublo. Na prática, isso transforma exportação privada em financiamento indireto do Estado, dado que cria demanda (artificial) pela moeda doméstica, reforça o sistema bancário local e sustenta o orçamento público.
Ao contrário do que ocorre em economias abertas, o exportador russo não decide livremente quanto manter fora e quanto trazer para a Rússia. Parte da conversão é imposta. Isso garante liquidez em rublo, sustenta o câmbio e alimenta o sistema financeiro interno, que passou a operar quase exclusivamente como financiador do Tesouro.
A dívida pública russa permanece relativamente baixa, não porque o Estado gaste pouco, mas porque se financia quase totalmente dentro de casa. Bancos estatais, fundos públicos e instituições financeiras sob controle do governo absorvem os títulos da dívida. O risco não desaparece — é apenas deslocado para inflação, compressão do consumo e perda de poder de compra da população. Não há ruptura formal do sistema, mas uma escolha política de priorizar integralmente a guerra.
Mesmo fora do sistema financeiro tradicional do Ocidente, a Rússia não ficou isolada por completo. O país passou a operar por sistemas alternativos e acordos bilaterais, especialmente com a China. Pagamentos em yuan são liquidados nesses canais e, posteriormente, convertidos em rublo para uso interno. Essas reservas não funcionam como o dólar no mercado global, mas são plenamente operacionais para o comércio sino-russo, hoje o principal eixo comercial do país.
No campo tecnológico, as sanções também não geraram bloqueio absoluto. Componentes eletrônicos, semicondutores e equipamentos industriais entram por rotas trianguladas via Cazaquistão, Armênia, Emirados, Turquia e Hong Kong. Empresas formalmente sediadas nesses países compram no mercado internacional e revendem a intermediários russos. O custo é maior, a eficiência é menor, mas o abastecimento continua ocorrendo.
A logística de guerra é sustentada por três fatores centrais:
Fábricas foram convertidas para produção bélica, inclusive fábricas antigas/desativadas. O Estado passou a contratar diretamente em larga escala e a economia civil foi parcialmente sacrificada para manter a máquina militar em funcionamento. A qualidade de vida da população caiu, mas o sistema não colapsou.
Do outro lado, a Ucrânia opera como um Estado financeiramente sustentado pelo exterior. Salários do funcionalismo, aposentadorias e grande parte do orçamento dependem de transferências financeiras diretas de governos ocidentais. O esforço militar é viabilizado por doações de armamentos, inteligência, imagens de satélite, treinamento e coordenação fornecidos por países da OTAN.
Esses países não entram formalmente na guerra para evitar o enquadramento jurídico de conflito direto entre potências nucleares, mas atuam como financiadores e provedores estratégicos — um paradoxo evidente entre o discurso de “não intervenção direta” e a prática.
A Rússia avança porque opera num modelo em que a moeda, o crédito, a indústria, a energia e o sistema político estão submetidos a um único centro decisório coercitivo. O Estado captura o setor privado, direciona recursos, comprime o consumo civil e sustenta o esforço militar como prioridade absoluta.
No curto prazo, esse modelo é funcional. No longo prazo, os custos estruturais são inevitáveis: atraso tecnológico, empobrecimento relativo, dependência crescente da Ásia, perda de capital humano e deterioração institucional profunda. A máquina segue operando, mas à custa de destruir progressivamente sua base de desenvolvimento.
Esse nível de intervenção direta do Estado sobre moeda, empresas, crédito, trabalho e consumo só é viável porque a Rússia não opera sob um regime democrático — o que reduz drasticamente os mecanismos de veto político, judicial e social às decisões de mobilização econômica total.
A Rússia driblou as sanções subordinando sua economia ao conflito, aceitando o empobrecimento como custo estratégico e transformando coerção interna em instrumento de financiamento militar. Enquanto isso, a Ucrânia sobrevive como Estado por meio de financiamento externo contínuo — sem o qual sua estrutura administrativa simplesmente não se sustentaria.
Em um mundo cada vez mais instável, fragmentado e assimétrico, entristece constatar que um conflito dessa magnitude — já em seu quarto ano de duração — seja sustentado por uma teia complexa de interesses estratégicos, muitas vezes dissociados da dimensão humana da tragédia. Ao longo deste período, a guerra deixou de ser apenas um evento militar para se tornar um fenômeno econômico estrutural, reorganizando cadeias globais, redefinindo alianças, deslocando fluxos comerciais e moldando novas dependências entre Estados.
Ao final, permanece a constatação inquietante de que sociedades inteiras acompanham esse processo com crescente normalização da violência, insensibilidade ao sofrimento alheio e uma visão de mundo cada vez mais individualista. Não há vencedores em guerras, seja qual for o resultado: há apenas perdas, destruição econômica, fraturas institucionais e cicatrizes históricas que atravessam gerações.
De um lado, uma Ucrânia cuja máquina estatal — salários públicos, previdência e parte substancial do orçamento — é mantida por transferências financeiras intergovernamentais e pelo fornecimento contínuo de armamentos. De outro, uma Rússia submetida ao maior pacote de sanções já imposto a uma economia industrial relevante e, ainda assim, operando militarmente, industrialmente e financeiramente em plena escala há anos.
O conflito expõe um limite estrutural das sanções econômicas: elas não paralisam Estados que dominam simultaneamente energia, moeda, aparato produtivo, sistema financeiro fechado e coerção institucional. Este artigo desmonta, em camadas, como a Rússia reorganizou sua economia para sustentar uma guerra prolongada contra um adversário financiado direta e continuamente por governos ocidentais.
A economia russa passou por uma mutação estrutural desde 2022. O país deixou de operar com a lógica clássica de mercado aberto e passou a funcionar como uma economia de mobilização permanente. O Estado reorganizou o sistema financeiro, subordinou o setor privado ao esforço de guerra, fechou seus canais de financiamento ao exterior e reconstruiu seus fluxos comerciais em direção à Ásia, ao Oriente Médio e a países que não aderiram ao regime de sanções.
O primeiro pilar desse modelo é a energia. A Rússia segue exportando petróleo, gás, derivados e carvão para países como China, Índia e Turquia, ainda que com descontos. Esses fluxos continuam gerando entrada relevante de moeda estrangeira. A diferença central não está na exportação em si, mas no destino final desse dinheiro. O governo passou a exigir que uma parcela significativa das receitas externas das empresas seja obrigatoriamente convertida em rublo. Na prática, isso transforma exportação privada em financiamento indireto do Estado, dado que cria demanda (artificial) pela moeda doméstica, reforça o sistema bancário local e sustenta o orçamento público.
Ao contrário do que ocorre em economias abertas, o exportador russo não decide livremente quanto manter fora e quanto trazer para a Rússia. Parte da conversão é imposta. Isso garante liquidez em rublo, sustenta o câmbio e alimenta o sistema financeiro interno, que passou a operar quase exclusivamente como financiador do Tesouro.
A dívida pública russa permanece relativamente baixa, não porque o Estado gaste pouco, mas porque se financia quase totalmente dentro de casa. Bancos estatais, fundos públicos e instituições financeiras sob controle do governo absorvem os títulos da dívida. O risco não desaparece — é apenas deslocado para inflação, compressão do consumo e perda de poder de compra da população. Não há ruptura formal do sistema, mas uma escolha política de priorizar integralmente a guerra.
Mesmo fora do sistema financeiro tradicional do Ocidente, a Rússia não ficou isolada por completo. O país passou a operar por sistemas alternativos e acordos bilaterais, especialmente com a China. Pagamentos em yuan são liquidados nesses canais e, posteriormente, convertidos em rublo para uso interno. Essas reservas não funcionam como o dólar no mercado global, mas são plenamente operacionais para o comércio sino-russo, hoje o principal eixo comercial do país.
No campo tecnológico, as sanções também não geraram bloqueio absoluto. Componentes eletrônicos, semicondutores e equipamentos industriais entram por rotas trianguladas via Cazaquistão, Armênia, Emirados, Turquia e Hong Kong. Empresas formalmente sediadas nesses países compram no mercado internacional e revendem a intermediários russos. O custo é maior, a eficiência é menor, mas o abastecimento continua ocorrendo.
A logística de guerra é sustentada por três fatores centrais:
- energia abundante
- indústria pesada própria e
- emprego artificial criado pelo orçamento militar.
Fábricas foram convertidas para produção bélica, inclusive fábricas antigas/desativadas. O Estado passou a contratar diretamente em larga escala e a economia civil foi parcialmente sacrificada para manter a máquina militar em funcionamento. A qualidade de vida da população caiu, mas o sistema não colapsou.
Do outro lado, a Ucrânia opera como um Estado financeiramente sustentado pelo exterior. Salários do funcionalismo, aposentadorias e grande parte do orçamento dependem de transferências financeiras diretas de governos ocidentais. O esforço militar é viabilizado por doações de armamentos, inteligência, imagens de satélite, treinamento e coordenação fornecidos por países da OTAN.
Esses países não entram formalmente na guerra para evitar o enquadramento jurídico de conflito direto entre potências nucleares, mas atuam como financiadores e provedores estratégicos — um paradoxo evidente entre o discurso de “não intervenção direta” e a prática.
A Rússia avança porque opera num modelo em que a moeda, o crédito, a indústria, a energia e o sistema político estão submetidos a um único centro decisório coercitivo. O Estado captura o setor privado, direciona recursos, comprime o consumo civil e sustenta o esforço militar como prioridade absoluta.
No curto prazo, esse modelo é funcional. No longo prazo, os custos estruturais são inevitáveis: atraso tecnológico, empobrecimento relativo, dependência crescente da Ásia, perda de capital humano e deterioração institucional profunda. A máquina segue operando, mas à custa de destruir progressivamente sua base de desenvolvimento.
Esse nível de intervenção direta do Estado sobre moeda, empresas, crédito, trabalho e consumo só é viável porque a Rússia não opera sob um regime democrático — o que reduz drasticamente os mecanismos de veto político, judicial e social às decisões de mobilização econômica total.
A Rússia driblou as sanções subordinando sua economia ao conflito, aceitando o empobrecimento como custo estratégico e transformando coerção interna em instrumento de financiamento militar. Enquanto isso, a Ucrânia sobrevive como Estado por meio de financiamento externo contínuo — sem o qual sua estrutura administrativa simplesmente não se sustentaria.
Em um mundo cada vez mais instável, fragmentado e assimétrico, entristece constatar que um conflito dessa magnitude — já em seu quarto ano de duração — seja sustentado por uma teia complexa de interesses estratégicos, muitas vezes dissociados da dimensão humana da tragédia. Ao longo deste período, a guerra deixou de ser apenas um evento militar para se tornar um fenômeno econômico estrutural, reorganizando cadeias globais, redefinindo alianças, deslocando fluxos comerciais e moldando novas dependências entre Estados.
Ao final, permanece a constatação inquietante de que sociedades inteiras acompanham esse processo com crescente normalização da violência, insensibilidade ao sofrimento alheio e uma visão de mundo cada vez mais individualista. Não há vencedores em guerras, seja qual for o resultado: há apenas perdas, destruição econômica, fraturas institucionais e cicatrizes históricas que atravessam gerações.
